quarta-feira, 7 de outubro de 2009

As coisas de valor e o valor das coisas

Taí o título de um clássico da teoria do design. Mas não vou falar de design, vou falar de gente mesmo.

Na RL eu já estudei e conversei de um tudo e uma dessas coisas foi Kabballah. Durante pouco mais de um ano estudei com um rabino sobre várias coisas e uma delas é o valor das coisas no Universo. E escutei uma frase que me pareceu idiota na hora, mas que depois vi que fazia todo o sentido: "Tudo no Universo tem um valor, um preço, e o menor preço que se pode pagar por qualquer coisa é o dinheiro".

Há seis meses atrás, num início ensolarado de março, perdi um primo por afinidade. Não era meu parente de verdade, mas pela simpatia, pelo amor, pelos gostos, nos chamávamos de primos, tanto ele, como a mãe dele também. E mesmo sendo um parente "emprestado" do meu ex-marido, foi um choque pesado quando eu acordei num domingo que comemorava o aniversário do Rio de Janeiro, sabendo que ele, morando no edifício em frente, tinha pulado a janela, e cometido suicídio aos 27 anos, numa madrugada improvável.

Deixei Rafael descansando debaixo de uma mangueira gigantesca, que era pura majestade e dignidade, no Cemitério São João Batista. Um samba tocava pela rua, e o vento trouxe as notas até nós, parados naquele silêncio de dor. "Ele foi embora em festa, como sempre existiu" e aplaudimos. E tocamos a vida em frente, com um vazio de valor incalculável na existência.

Seis meses depois, num início de outubro prometendo uma primavera ensolarada, o celular toca e minha prima, desta vez da minha família, fala aos prantos: "Meu filho tentou o suicídio, ele está num hospital agora e eu não sei o que vai acontecer".

Meu primo é o máximo. Inteligentérrimo. Charmoso. Preparadíssimo. Culto. Genialmente engraçado. Nossa ironia era sempre posta à prova quando nos encontrávamos, pois somos dois mestres consumados nesta nobre arte (e nos divertíamos rindo de nós mesmos no processo). Foi pra Alemanha trabalhar com games -- o que foi bacana, mas não deu muito certo, não por ele, mas por desorganização dos donos do negócio (provando que gringo também faz cagada -- como se diz cagada em alemão?). Antes tinha passado por alguns perrengues profissionais beeeem chatos, mas enfim, coisas que acontecem.

O fato é que ele, o meu primo que eu ensinei a amar quadrinhos europeus e que me ensinou diversas coisas em troca -- como a predileção por games com física Havok --, por razões que só ele poderia me dizer e que não vou ficar elucubrando aqui, resolveu cometer suicídio. Se tacou numa manhã de domingo (sempre finais de semana!) do 5o. andar. Ele só esqueceu de uma coisa: como um cara que sempre cuidou bem do corpo e se exercitava regularmente, ele estava suficientemente condicionado a resistir a uma queda destas e mais, sobreviver. Não preciso dizer que ele tentou se suicidar e SE FUDEU com todas as letras maiúsculas, em tipologia gótica, e em metal dourado brega em 3D estilo Rede Globo sobre fundo azul rei. Está internado e sendo reconstruído aos poucos, pois os danos obviamente foram extensos.

Mas o choque da notícia foi estupidamente grande. Ao contrário de Rafa, eu carreguei Gus no colo. Brinquei, vi crescer. Dividimos pizzas em madrugadas cinéfilas. Conversamos sobre arte e música, budismo, teatro, marcenaria, idéias e patinação. Trocamos receitas de comidas e dicas de temperos (minha especialidade e dele mais ainda). Passei uma manhã inteira chorando feito criança quando senti que poderia perder algo valioso na vida. E aquela frase cabalística mais uma vez fez todo o sentido do mundo porque amor não tem preço, não se calcula, não se vende, não se comercializa em anúncios no horário nobre, por mais que os cínicos profissionais insistam que tudo é passível de compra e venda. Ou de ser retocado em Photoshop.

Agora esperamos pra ver o que vai acontecer. Eu só sei de uma coisa: eu amo meu primo. E ainda vou ter o prazer de produzir junto com ele a peça de teatro que ele escreveu e rir com os filmes sem noção que só a gente gosta de assistir. E que pra mim têm o maior valor do mundo e que só fazem sentido quando partilhados com gente amiga e amada.

3 comentários:

Alyne Dagger disse...

Tudo aquilo que conversamos ainda vale. Acho que o susto de não morrer vai fazer o menino por os pés no chão e dar valor àquilo que ele graças a Deus ele não perdeu!

Laura Graziela Gomes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Laura Graziela Gomes disse...

"Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difí­cil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra".
Guimarães Rosa
Querida, espero que seu primo se recupere plenamente.